INTRODUÇÃO
O que vem a ser vontade?... Muitos podem dizer que
vontade é o desejo de se fazer algo ou a disposição para se fazer algo ainda
que não se faça, por vários motivos. Na história do pensamento humano sempre se
discutiu sobre o significado real de vontade e desejo, e sobre sua relação,
chegando-se a tê-las como sinônimos, tal a ligação intrínseca existente entre
elas e, em outros casos, afirmou-se que elas são duas "pontentias",
de forma que a vontade pertence ao campo racional enquanto o desejo ao campo
sensorial ou sensível. Há uma disputa entre a psicologia e a filosofia para
definir melhor ou mais corretamente os termos; porém, aqui interessa-nos não
apenas o desejo, como uma vontade irrealizada ou uma impressão, mas a vontade
em um determinado curso de ação. Ou seja, a volição, que nada mais é do que a
vontade como a força que inclina e move o homem a querer, fazer e a não fazer,
em seu caráter moral.
Infelizmente, hoje em dia, não se discute a vontade como um princípio racional da ação, como o poder originário da alma a produzir manifestações do homem; nossas escolhas são motivadas por um apetite voluntário que nos leva a agir. O que nos faz responsáveis por nossos atos, visto te-mo-los escolhidos. Não entrarei na questão se a vontade é ou não livre, se ela sobre uma ação prévia ou coação que a motiva. Certamente que o homem, como ser moral, é responsável pelo que faz, seja lá qual for a sua motivação. Tanto Platão como Aristóteles entendiam que o termo vontade somente era pertinente ao se fazer o que se quer, e não ao que satisfaz. Essa era a distinção racional que consideravam, pois fazer o que se quer é fazer o que é bom, o que é agir racionalmente. Acontece que o homem age, na maioria das vezes, em prol do mal, e eles entendiam que assim se age irracionalmente, ao se fazer o que agrada, simplesmente.
Entendo que essa é uma boa distinção, que pode explicar muitas vezes porque agimos pecaminosamente. Ainda que saibamos ser determinado ato pecaminoso, que nos leva a ofender a Deus e ao próximo ou a nós mesmos, nos dispomos a praticá-lo, indo contra a razão, a qual podemos chamar de consciência, que nos alerta do engano a se cometer. Mesmo que não conheçamos todos os riscos e implicações, temos sempre a capacidade de avaliar se o que está-se a praticar é certo ou não. Ainda que muitos digam não ter esse conhecimento, o que acontece na verdade é uma "cauterização da consciência", o abandono do senso moral, de forma que se apague do caráter os sinais que nos leva ao cuidado, à vigília que o conhecimento imediato nos revela quanto aos riscos da atitude que se vai tomar. É o abandonar-se à irresponsabilidade com o objetivo de não ser responsabilizado, nem de ser acusado, como se fosse possível viver num estado de inconsciência deliberada. O que se tem visto cada vez mais são os respaldos científicos, especialmente da psicologia moderna, de que muitos atos praticados pelo homem não têm como fonte a vontade deliberada ou determinada de se praticá-los. Com isso procura-se isentá-lo da responsabilidade, e se acaba por transferi-la a quem não tem controle sobre ela, visto ser o indivíduo o único capaz de decidir pela prática do ato ou não.
Alegar que se foi coagido ou induzido ao erro em
nada pode absolver o agente. Até mesmo um animal, como um cão ou um gato,
percebe se cometeu uma bobagem ou não. Tenho cães que, ao passarem dos limites
estabelecidos por mim, mesmo antes de eu descobrir a infração já é possível
percebê-la na atitude "arrependida" do animal.
Muitas vezes, tenho de sair pelo espaço deles procurando pela traquinagem até
encontrá-la. Eles sabem que cometeram um "crime", e que
por isso serão repreendidos. Ou seja, é quase possível dizer que eles têm uma
mente mais racional do que muitos humanos. Que até mesmo os animais têm a noção
do certo e do errado, guardadas as devidas proporções. E se não têm o Imago
Dei, como nós, o que nós dá o direito de defender a irresponsabilidade? Como se
os atos praticados não fossem originados pela vontade individual? Certamente
que esse é um dos atributos divinos comunicado ao homem, e do qual o homem
tenta, desesperadamente, se ver livre; de forma que assim ele se liberta tanto
da responsabilidade moral como da sua dependência de Deus. Ao menos ele se
imagina livre, em sua tola pretensão de liberdade. Um exemplo evidente de que a
transgressão é consequência da vontade está relatado no livro de Gênesis,
capítulo 4.
Abel e Caim levaram ofertas para Deus, e ele se agradou da oferta de Abel e não se agradou da de Caim, cujo semblante lhe decaiu, por causa da ira contra o seu irmão. E o Senhor lhe disse: "Por que te iraste? E por que descaiu o teu semblante? Se bem fizeres, não é certo que serás aceito? E se não fizeres bem, o pecado jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo, mas sobre ele deves dominar". E o que aconteceu em seguida? Caim matou a Abel. E Deus expulsou-o de diante de sua face, e amaldiçoou-o. De forma que o próprio Caim reconheceu: "É maior a minha maldade que a que possa ser perdoada". Ao não ouvir o conselho divino, e dispor-se a fazer o que lhe agradava no momento, Caim decidiu-se pelo mal, e foi punido pelo seu crime. Segundo o parecer dos filósofos citados, Caim, ao não usar a razão, não foi capaz de ter vontade, mas o desejo irracional de matar e aplacar a sua ira com o sangue do seu irmão. Ele não dominou sobre o seu desejo, sabia o que não deveria fazer, mas decidiu fazê-lo porque foi do seu agrado. O Senhor nos diz quase a mesma coisa:
1) Caim deveria dominar o seu desejo;
2) Se não o fizesse, o pecado jazia à porta; em
outras palavras, ele estava em iminência de se concretizar;
3) Sobre Caim seria lançada a culpa pelo seu
desejo.
Temos aqui o desejo de Caim como algo realmente iníquo, irracional, o pecado acalentado e realizado, a exaltação do eu diante de si mesmo, mas jamais inconsciente, pelo contrário; o próprio Caim estava seguro da sua violação; ele queria, como resultado do seu desejo insano, o assassínio, o sangue de Abel em suas mãos; o que o levou a não considerar injusta a punição que lhe foi aplicada por Deus; ele estava consciente de que era justa, assim como estava consciente do ato praticado, pois em momento algum ele teve o menor sinal de arrependimento, de remorso pelo crime cometido. Caim estava convicto, e mesmo disposto a arcar com as consequências do crime praticado. O que enuncia a sua decisão e obstinação em fazer o mal conscientemente. O que vale dizer que fortes emoções, profunda consternação ou ira, não são justificativas para que a vontade direcione o homem ao que não deve ser feito, ao invés de mantê-lo distante, conservando-o no bem que o fará aceito [e, por bem, também significa o afastar-se do mal]. Como ser moral, o homem deve se dispor à dominar os desejos provenientes da sua natureza caída, afastando-se do mal, procurando o bem, que será sempre realizar não a vontade imperfeita e iníqua do homem, aquela pela qual damos vazão ao pecado, mas buscar incessantemente fazer a vontade divina, a qual é perfeita, e pura, e santa.
Temos aqui o desejo de Caim como algo realmente iníquo, irracional, o pecado acalentado e realizado, a exaltação do eu diante de si mesmo, mas jamais inconsciente, pelo contrário; o próprio Caim estava seguro da sua violação; ele queria, como resultado do seu desejo insano, o assassínio, o sangue de Abel em suas mãos; o que o levou a não considerar injusta a punição que lhe foi aplicada por Deus; ele estava consciente de que era justa, assim como estava consciente do ato praticado, pois em momento algum ele teve o menor sinal de arrependimento, de remorso pelo crime cometido. Caim estava convicto, e mesmo disposto a arcar com as consequências do crime praticado. O que enuncia a sua decisão e obstinação em fazer o mal conscientemente. O que vale dizer que fortes emoções, profunda consternação ou ira, não são justificativas para que a vontade direcione o homem ao que não deve ser feito, ao invés de mantê-lo distante, conservando-o no bem que o fará aceito [e, por bem, também significa o afastar-se do mal]. Como ser moral, o homem deve se dispor à dominar os desejos provenientes da sua natureza caída, afastando-se do mal, procurando o bem, que será sempre realizar não a vontade imperfeita e iníqua do homem, aquela pela qual damos vazão ao pecado, mas buscar incessantemente fazer a vontade divina, a qual é perfeita, e pura, e santa.
Tiago, em sua epístola, nos alerta de que
"cada um é tentado, quando atraído e engodado pela sua própria
concupiscência. Depois, havendo a concupiscência concebido, dá à luz o pecado;
e o pecado, sendo consumado, gera a morte. Não erreis, meus amados
irmãos". Concupiscência é todo o desejo imoderado, descontrolado, e foi
por ele e para ele que Caim se entregou, gerando o pecado. E a morte foi a
separação definitiva de Deus; e Caim saiu de diante da face do Senhor.
A VONTADE DE
DEUS
Deus tem vontade? Ou teria, vontades?[1]. Essa é
outra discussão que perpassa os séculos, gerando mais confusão do que
esclarecimentos. O homem, por suas próprias limitações e pelo desejo de ter
todas as coisas explicitadas, como se tivesse o domínio sobre elas, e assim
pudesse garantir algum mérito para si mesmo, não tem como compreender todos os aspectos
que envolvem o ser divino. Ainda que muitos afirmem isso, há um esforço e
empenho em não aceitar essa proposição, de forma que acaba-se trilhando o
caminho perigoso de se inferir de Deus aquilo que ele não é. Como já disse
anteriormente, muito do que é proposto não passa do reflexo daquilo que somos:
soberbos e orgulhosos. Em relação a Deus, qualquer palpite, suspeita ou
conclusão decorrente da nossa mente, e não daquilo que ele revelou, será uma
armadilha para quem a defende ou expõe. Entender que o ser divino é inexorável,
que é-nos impossível sondá-lo, e que o pouco conhecimento de que dispomos é
fruto da vontade soberana de Deus, sempre circunscrito à sua revelação
especial, a Bíblia, tornaria mais fácil a nossa situação.
Com isso não estou reivindicando que se abandone os estudos e a meditação, que sejamos ignorantes e desconheçamos a Deus. Não é isso. Basta saber que há limitações, barreiras levantadas pelo próprio Deus, e de que elas são intransponíveis, ao menos nesta vida. É-nos assegurado que naquele dia, o dia glorioso do Senhor, nada perguntaremos. Talvez porque seja-nos revelado tudo instantaneamente pelo Espírito Santo; talvez porque não nos preocuparemos em questões que se colocarão irrelevantes diante da glória, esplendor e majestade divinas. E como esse é um ponto importante da ortodoxia, não há porque desprezá-lo.
Com isso não estou reivindicando que se abandone os estudos e a meditação, que sejamos ignorantes e desconheçamos a Deus. Não é isso. Basta saber que há limitações, barreiras levantadas pelo próprio Deus, e de que elas são intransponíveis, ao menos nesta vida. É-nos assegurado que naquele dia, o dia glorioso do Senhor, nada perguntaremos. Talvez porque seja-nos revelado tudo instantaneamente pelo Espírito Santo; talvez porque não nos preocuparemos em questões que se colocarão irrelevantes diante da glória, esplendor e majestade divinas. E como esse é um ponto importante da ortodoxia, não há porque desprezá-lo.
Como disse, se definiu entre os reformados alguns
conceitos e divisões da vontade de Deus. Esquemas foram propostos e aceitos
exatamente por conta da nossa limitação, na tentativa de se aproximar o máximo
da verdade sobre o assunto. Mas fato é que não se pode falar de vontades em
Deus. Ele tem uma única, imutável e eterna vontade. Alguns pensam que há um
conflito entre o que Deus quer e o homem realiza, de forma que a Bíblia parece
revelar que nem tudo o que Deus quer suas criaturas o obedecem. Mas seria isso
verdade? Penso que não. Pois se estaria criando um problema ainda maior que
atingiria o atributo da soberania divina. Ou Deus é todo-poderoso, como a
Escritura revela, ou ele tem limitações. Por aceitar certas limitações é que
muitos caminham para o liberalismo, panteísmo ou panenteísmo, e até para a
descrença total. Invariavelmente ela inicia-se com a incompreensão da Bíblia,
culminando na recusa em aceitá-la como a fiel e inspirada palavra de
Deus.
Portanto, em Deus não há vontades, nada além de uma
única vontade. Acontece que ela se manifesta, aos nossos olhos de maneiras
distintas. Veja bem, esse entendimento decorre da nossa deficiência, da
incapacidade e limitação intrínsecas ao ser humano. Partindo-se da dedução,
chega-se as classes de empregos teológicos de alguns termos, como vontade
decretiva e preceptiva, antecedente e consequente, absoluta e condicional,
dentre outras. Ainda que eu não aprecie esse tipo de classificação, para não
parecer apenas "ranzinza" adotarei o que os calvinistas mais antigos
chamaram de vontade revelada e secreta. Parece-me um esquema mais simples e
bíblico, e que abrange de maneira mais eficiente a compreensão que se deve ter
sobre o assunto.
Para mim, Deus tem uma vontade apenas, mas que nos
é apresentada em duas perspectivas diferentes. A vontade divina é aquela
soberana, pela qual ele decretou todas as coisas, de forma que elas
invariavelmente acontecerão como ele planejou. E dentro desse decreto está toda
a criação: o universo, os seres angelicais, os homens, o mal, o pecado, a
queda, os fatos mais corriqueiros e irrelevantes que se possam imaginar. Tudo
veio à existência pela vontade divina, e por ela tudo subsiste. Não há como a
vontade de Deus ser resistida ou anulada. Dentro do seu plano soberano e eterno
tudo acontecerá conforme a sua vontade estabeleceu. É o que Jó diz: "Bem
sei eu que tudo podes, e que nenhum dos teus propósitos pode ser impedido"
[Jó 42.2]. Em outras palavras, Cristo nos diz a mesma coisa: "Aos homens é
isso impossível, mas a Deus tudo é possível" [Mt 19.26]. É possível que
alguém diga que a fala do Senhor se refere exclusivamente à salvação. Mas,
pergunto: não poderia esse princípio ser aplicado a tudo? Haveria limites para
a vontade infinita e eterna de Deus? Ou, como tudo o que se refere a ele, ela
também é absoluta, necessária e essencial, e não pode ser restringida jamais
pelo contingente? Qualquer análise da vontade de Deus a partir de alguma limitação
que não seja o próprio ser divino [e aí entramos em outro problemão, pois Deus
é infinito também em sua vontade] incorrerá no equívoco. Fato é que a vontade
divina acontecerá infalível e invariavelmente, sem chances de não
acontecer.
Mais alguém pode dizer: como então Deus ordena que
façamos algo, como cumprir a sua lei, e não o obedecemos? Não há uma flagrante
oposição do homem, ao pecar, contra a vontade de Deus que abomina e ordena que
não pequemos?
É aqui que entra a distinção acima, a classificação
que utilizarei sobre a vontade de Deus. Temos que Deus tem uma vontade, a qual
compreende o que nos foi revelado e o que não foi. O que nos foi revelado está
na Escritura, e qualquer homem tem acesso a ela [não quero dizer que todos têm
acesso à Bíblia efetivamente, mas que existe a possibilidade de todos terem.
Para que algo aconteça é necessário que ele esteja no "mundo das
possibilidades", do contrário não existirá]. Moisés diz exatamente isso,
ao referir-se à Lei: "As coisas encobertas pertencem ao Senhor nosso Deus,
porém as reveladas nos pertencem a nós e a nossos filhos para sempre, para que
cumpramos todas as palavras desta lei" [Dt 29.29]. Com isso não se quer
fugir de eventuais problemas, mas constatar que existe um problema, e que nem todo
ele é compreensível pois está retido na mente de Deus. Aquilo que ele ordenou,
e que é a sua vontade expressa, nos foi revelado, e qualquer um pode se
asseverar dele, confirmá-lo. Deus delineou na sua palavra aquilo que ele quer
que façamos, como reflexo da sua santidade, e para nos apresentarmos santos
diante dele. Acontece que o homem, por sua própria imperfeição, não é capaz de
cumpri-la. Aprouve a Cristo fazê-lo por nós. Essa é a vontade revelada de Deus,
e que está ao alcance de todos os homens [novamente, como possibilidade].
Porém, há o que não nos foi revelado, e que se pode
chamar de vontade secreta ou não-revelada, que é do exclusivo conhecimento
divino. Apenas ele a conhece, mais ninguém. Nem mesmo os anjos celestiais. Ela
está por detrás do curso histórico pelo qual o universo vem trilhando, e que
podemos resumir como sendo o propósito eterno de Deus. Não sabemos o que é, nem
como se dará, sabemos apenas que ela existe. Ela é a parte do decreto eterno
que, assim como Paulo se referiu ao ser divino, é insondável e inescrutável.
Nenhum de nós é capaz de penetrá-la, nem investigá-la. E essa vontade divina
ordenou todas as coisas, inclusive a desobediência humana. Do ponto de vista
humano, ao pecarmos, estamos em desobediência a Deus, e contra a sua vontade
revelada, o preceito ou mandamento. Em relação a Deus, cumprimos exatamente o
que ele decretou eternamente, e realizando ou pondo em execução o seu plano,
satisfazendo à sua vontade oculta ou secreta.
Há algum tempo, expus o seguinte exemplo em uma
conversa que virou texto:
"Acho apenas que o termo 'desejo' não deve ser
empregado. Ainda que Deus queira. É como o Pai que não deseja punir o filho,
mas tem de puni-lo para o próprio bem do filho. Ele o ama e não quer que ele se
perca, por isso o castiga, mesmo não querendo castigá-lo; ele o faz pela
necessidade insuperável... No caso dos eventos maus, Deus os decreta, mas não
os deseja, porém eles cumprem o propósito maior de revelá-lo e a sua vontade
primeira: separar um povo para si por meio de Cristo... Por desejo quero dizer
ter prazer, se deleitar, etc. Mas se desejo é querer, isso ele quer" [2].
Certamente não tenho hoje o mesmo entendimento que
àquela época, ainda que concorde parcialmente com o que disse. Em linhas
gerais, Deus quer uma única coisa, o cumprimento da sua vontade, do seu plano,
e ele se dará através de meios que parecerão, à primeira vista, conflitar e se
opor à essa mesma vontade, mas que não se opõem nem conflitam, antes estão
subordinadas à vontade maior, aquela que não nos foi revelada. Com isso quero
dizer que a vontade revelada é subjacente, dependente da secreta.
Um outro exemplo é o da morte de Cristo. Pedro nos
diz que Deus decretou todos os eventos, e que eles foram realizados por
Pilatos, Herodes, os judeus e os gentios [At 4.26-28]. Qual era o decreto
divino? Que seu Filho Amado, Jesus Cristo, fosse preso, humilhado e morto pelos
homens. Entendo que Pedro, ao referir-se a judeus e gentios quis dizer que
todos colaboraram para a sua morte, a qual, porém, não aconteceu por causa de
todos, no sentido de que Cristo não morreu por todos os homens, mas
especificamente pelos eleitos, pela sua igreja, para trazer a Deus um único
povo. Como o profeta também diz: "Todavia, ao Senhor agradou moê-lo,
fazendo-o enfermar; quando a sua alma se puser por expiação do pecado, verá a
sua posteridade, prolongará os seus dias; e o bom prazer do Senhor prosperará
na sua mão. [Is 53.10]. A vontade divina era de que Cristo morresse, mas isso
implicaria em contradição com o 5o. mandamento, "não matarás" [Ex
20.13]? A Pilatos, Herodes, os judeus e aos gentios foi ordenado não matar.
Mesmo assim eles mataram o doador da vida. Havia uma vontade de Deus para que
os homens não matassem [considero o termo inadequado, pois reputo-o como preceito,
ordem, o qual se encontra em conformidade com o ser santo de Deus], pois uma
coisa é a vontade como um desejo, outra coisa é a vontade imperativa, como uma
ordem a se cumprir incontestavelmente. Contudo, dentro da sua vontade soberana
e suprema, foi-lhes ordenado crucificar o Justo. E qual era o objetivo maior? A
redenção dos homens, a justificação que somente poderia vir pela morte do
Redentor, assim como Deus havia dito aos profetas, milhares de anos antes; sem
nos esquecer de que tudo tem como fim a glória de Deus.
De certa forma, até mesmo na sua vontade revelada
há um caráter "secreto", ao menos para a maioria dos homens, até que
ela se cumpra. Muitos que se não consideram a autoridade divina somente a
compreenderão diante do Tribunal de Cristo, que julgará bons e maus, justos e
injustos; e, então aqueles que durante toda a vida desprezaram o sábio e santo
conselho divino, expresso através da sua palavra, perceberão que aquilo que
estava oculto para eles, havia sido revelado indistintamente, e agora lhes
falava direta e pessoalmente, em forma de sentença. E temos outra implicação, a
qual é: a vontade soberana e secreta estará sempre em ação, muitas vezes se
misturando à vontade revelada, enquanto esta, nem sempre, fará parte
necessariamente do curso histórico de muitos homens e nações. Quantos, por
exemplo, jamais tomaram conhecimento do código mosaico ou da morte de Cristo?
Com isso quero dizer que, no fim-das-contas, há uma vontade superior e mais
elevada, em que todas as demais "vontades" estarão
sujeitas e dependentes.
O QUE O
HOMEM DEVE PROCURAR?
Mais do que entender os conceitos e formulações
teológicas do termo "vontade divina", o homem deve estar pronto a
obedecer a Deus, naquilo em que ele nos ordena ser obedientes. Desprezar o seu
conselho é trilhar o caminho perigoso da rebeldia, em direção célere à
condenação e ao inferno. Todos os homens são chamados a obedecer a Deus, a
honrá-lo com suas vidas, e a adorá-lo como único Senhor. Isso é posto para
todos, indistintamente, e por isso Paulo diz que todos têm o conhecimento inato
de Deus, pelo qual ninguém poderá alegar inocência. Somos todos pecadores,
iníquos e inimigos de Deus, e se ele ordena a obediência é porque não haveria
outra forma de conciliação com ele. Porém o homem, por si só, está impedido de
obtê-la, de se reconciliar com Deus. Aprouve a Cristo fazê-lo por nós. Como
sumo-sacerdote e único intermediário entre Deus e os homens, ele padeceu para
que fôssemos aceitos como filhos adotivos pelo seu Pai. Por isso a ordem é geral,
para que todos se arrependam: "Mas Deus, não tendo em conta os tempos da
ignorância, anuncia agora a todos os homens, e em todo o lugar, que se
arrependam" [At 17.30]. Do contrário, a ofensa a Deus persistirá, e aquele
que permanecer nela será condenado, no dia determinado em que com justiça o
mundo será julgado por Cristo.
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