Semeadores da Fé. Tecnologia do Blogger.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

A Transformação no Mar Vermelho


A história do Êxodo não termina até que o exército do Faraó é derrotado totalmente. Isso só acontece no Yam Suf, o Mar Vermelho. Este evento é narrado no Livro do Êxodo 14:10-31 e depois celebrado em uma canção poética, o cântico de Moisés -Êxodo 15:1-18.
A narrativa do Mar Vermelho é grandemente permeada pela palavra hebraica יִרְאָה yirah, medo, "E aproximando Faraó, os filhos de Israel levantaram seus olhos, e eis que os egípcios vinham atrás deles, e temeram muito [ וַיִּֽירְאוּ֙ vayir'u ] ; então os filhos de Israel clamaram ao Senhor." Êxodo 14:10.

A segunda vez que esta palavra aparece na passagem se dá depois que os Egípcios foram derrotados, sendo afogados no mar. Os Israelitas já tinham passado por terra seca, no meio do mar, e a Torá registra:
"E viu Israel a grande mão que o Senhor mostrara aos egípcios; e temeu [ וַיִּֽירְאוּ֙ vayir'u ] o povo ao Senhor, e creu no Senhor e em Moisés, seu servo." Êxodo 14:31
E é aqui que se torna muito interessante observar que o medo que anteriormente os filhos de Israel tiveram de Faraó e dos exércitos Egípcios, se transforma, após passarem pelo meio do Mar Vermelho, em temor a Deus. Uma grande transformação acontece nesta passagem.
Primeiramente, os Israelitas temem os Egípcios, temem por suas vidas, e reclamam com Moisés que eles nunca deveriam ter saído do Egito:
"Não é esta a palavra que te falamos no Egito, dizendo: Deixa-nos, que sirvamos aos egípcios? Pois que melhor nos fora servir aos egípcios, do que morrermos no deserto." Êxodo 14:12
Moisés, de forma inteligente e inspiradora, usa a mesma palavra hebraica, "Moisés, porém, disse ao povo: Não temais [ אַל־ תִּירָאוּ֒ al-tira]", e assegura que Deus lutaria por eles. Isto é exatamente o que acontece, e o resultado é que o temor que eles tinham de Faraó, é transformado em temor a Deus.
O que quer que tenha acontecido, enquanto o povo de Israel passava pelas águas do mar, foi um evento que os transformou. E quais seriam as circunstâncias dessa transformação? Esta é uma passagem grandiosa, que contém muitos ensinamentos.
Como poderíamos entender o simbolismo, e a transformação na travessia do mar? Quais são as lições que este texto bíblico quer nos deixar? Para entendermos, temos que voltar um pouco na história, quando Deus intervém diretamente no caminho que os Israelitas percorreriam.
Deus Leva o Povo em Direção ao Mar
"E aconteceu que, quando Faraó deixou ir o povo, Deus não os levou pelo caminho da terra dos filisteus, que estava mais perto; porque Deus disse: Para que porventura o povo não se arrependa, vendo a guerra, e volte ao Egito." Êxodo 13:17
Quando os Hebreus iniciaram a sua jornada, eles não estavam totalmente preparados, e Deus os leva por uma rota em círculos, para que eles não fossem direcionados diretamente à guerra, e temendo, voltassem ao Egito.
O verso 18, afirma que os Israelitas estavam armados:
"Mas Deus fez o povo rodear pelo caminho do deserto do Mar Vermelho; e armados, os filhos de Israel subiram da terra do Egito." Êxodo 13:18
E o verso 19, que parece fora de seu contexto, pode nos dar uma pista muito interessante sobre as armas que os filhos de Jacó carregavam consigo. Enquanto que os Hebreus estavam equipados com armas bastante primitivas, Moisés levava os ossos de Yosef, José do Egito.
Mais a frente, no capítulo 14, um antigo acampamento entre o Egito e o Mar Vermelho chama a nossa atenção:
"Então falou o SENHOR a Moisés, dizendo: 
Fala aos filhos de Israel que voltem, e que se acampem diante de Pi-Hairote, entre Migdol e o mar, diante de Baal-Zefom; em frente dele assentareis o campo junto ao mar. 
Então Faraó dirá dos filhos de Israel: Estão embaraçados na terra, o deserto os encerrou." Êxodo 14:1-3

Ali o povo é mandado a acampar em um lugar chamado Pi-Hairote, que é geralmente traduzido como "boca da liberdade".
Rashi interpreta, por meio da Midrash (o sentido simbólico do texto), o nome Pi-hahirote como Pi-hahayrut "a boca da liberdade", "pois foi ali que os Hebreus se tornaram livres", conforme ele mesmo explica:
"e que se acampem diante de Pi-Hairote" - Este lugar é Pitom, que a este ponto é chamado de Pi-hairote, porque aqui os Israelitas se tornaram homens livres.
Pitom é constituído de duas grandes pedras verticais, e o cânion entre elas é chamado de "a boca das rochas."
Rashi identificou o local de acampamento como sendo Pitom, um dos lugares construídos com o suor dos Hebreus, enquanto ainda eram escravos. Passar por esta área era uma maneira de permitir que os agora ex-escravos atingissem a liberdade emocional e existencial.
Viajar como uma nação livre, passando pela torre que simbolizava a sua servidão, agora, eles não iriam construir, nem obedecer a um capataz, agora eles podiam simplesmente, observar, admirar aquelas rochas e seguir em frente.
O nome Pi-HaHirote é semelhante a palavra usada para descrever a escrita esculpida nas tábuas de pedra do Sinai, harut (esculpido).
Quando se fala dos versos que descrevem as tábuas de pedra da Lei, no Sinai, a Tradição Oral, por meio do Talmude, ensina que não devemos ler a palavra como harut (esculpido, gravado), mas deve se pronunciar heirut (liberdade), "porque somente aqueles que buscam a palavra de Deus são verdadeiramente livres."
Há alguns elementos nesta passagem que são estranhos. Rashi descreve o Pi (boca) [de Pi-HaHirote], como a formação de duas grandes pedras verticais que formam um cânion entre elas.
Mas o comentário de Rashi prossegue, e segue nas próximas palavras do verso, "diante de Baal-Zefom":
"diante de Baal-Zefom" - Porque este era o último deus-ídolo do Egito que restava.
Pi HaHirote estava diante de Baal-Zefom, o último dos deuses Egípcios que permanecia de pé. A Mekhilta (uma coleção de regras de interpretação do texto sagrado), examinou a formação geológica daquelas rochas, em relação ao panteão Egípcio. E elas têm uma conotação específica, com aparência de macho e fêmea.
Aquele lugar sagrado para e religião Egípcia era símbolo da fertilidade. O Egito era mais do que apenas uma superpotência daquela época, era o epicentro da imoralidade. O Egito era um lugar de verdadeira depravação sexual.
Em sua primeira visita ao Egito, Sara é tomada de Abraão. Mais adiante na história, a esposa de Potifar se oferece a José.
Vários Passos para a Liberdade
"Não fareis segundo as obras da terra do Egito, em que habitastes, nem fareis segundo as obras da terra de Canaã, para a qual vos levo, nem andareis nos seus estatutos." Levítico 18:3
Deus exige que as práticas dos Egípcios e dos Cananeus sejam rejeitadas. Sair do Egito significa deixar as práticas idólatras e a corrupção moral, para poderem ser realmente livres.
A liberdade muitas vezes é gradualmente conquistada: Sair do Egito, atravessar o Mar Vermelho, beber das águas originalmente amargas que foram transformadas em Mara, até poder chegar ao Sinai.
Cada uma dessas fases libertou o povo de um aspecto correspondente à sua servidão, e cada uma delas trouxe o povo mais próximo de sua completa libertação. Passar por Pi haHirote, enfrentando o deus Egípcio com sua imagem macho-e-fêmea, era mais um passo em direção a liberdade moral.
Esta observação nos traz de volta ao momento em que os Hebreus deixam o Egito. Eles estavam "armados". Eles pensavam que estavam prontos para a guerra. Mas o fato é que eles não sabiam que tipo de batalha estariam pra enfrentar.
Os Israelitas não tinham consciência da extensão que a exposição ao padrão moral dos Egípcios tinha implantado neles mesmos. Os filhos de Jacó não tinham consciência dos diferentes aspectos da escravidão, que eles ainda precisavam ser libertos.
E Deus os leva por uma rota em círculos, um caminho que os levaria pelos vários estágios necessários para uma libertação verdadeira; preparando-os para as sucessivas batalhas que enfrentariam.
E Deus os continua protegendo, ainda que não tinham esse entendimento, até que chegam a um ponto em que sua provisão de água acaba, onde experimentam uma crise espiritual. Se questionam se Deus estava ou não no meio eles.
A Luta Contra os Amalequitas
É em meio a esse cenário que aparece Amaleque:
"Depois toda a congregação dos filhos de Israel partiu do deserto de Sim pelas suas jornadas, segundo o mandamento do Senhor, e acampou em Refidim; não havia ali água para o povo beber." Êxodo 17:1 
"Tendo pois ali o povo sede de água, o povo murmurou contra Moisés, e disse: Por que nos fizeste subir do Egito, para nos matares de sede, a nós e aos nossos filhos, e ao nosso gado?" Êxodo 17:3 
"E chamou aquele lugar Massá e Meribá, por causa da contenda dos filhos de Israel, e porque tentaram ao Senhor, dizendo: Está o Senhor no meio de nós, ou não? Então veio Amaleque, e pelejou contra Israel em Refidim." Êxodo 17:7-8

No livro de Devarim, Deuteronômio, há uma retrospectiva desta batalha, quando Moisés nos oferece um maior insight da mente do povo. Certamente, o sentimento de que Deus não estava com eles foi projetado em Amaleque.
"Lembra-te do que te fez Amaleque no caminho, quando saías do Egito; 
Como te saiu ao encontro [קָֽרְךָ֜ korkha] no caminho, e feriu na tua retaguarda todos os fracos que iam atrás de ti, estando tu cansado e afadigado; e não temeu a Deus. 
Será, pois, que, quando o Senhor teu Deus te tiver dado repouso de todos os teus inimigos em redor, na terra que o Senhor teu Deus te dá por herança, para possuí-la, então apagarás a memória de Amaleque de debaixo do céu; não te esqueças." Deuteronômio 25:17-19

A Torá usa a palavra קָֽרְךָ֜ korkha para descrever o ataque de Amaleque aos filhos de Israel. É uma palavra que só aparece aqui nesta passagem e não é utilizada em nenhum outro texto bíblico.
O rabino Rashi oferece várias interpretações desta palavra, como forma de entendermos o comportamento dos Amalequitas.
Em uma interpretação, a palavra korkha deriva da palavra kar, que significa "frio": Os Amalequitas esfriaram os Hebreus. Após terem saído do Egito, vendo os grandes milagres de Deus, os Hebreus estavam quentes, fervorosos em sua fé.
Mas o ataque de Amaleque esfriou o entusiasmo de Israel.
Numa outra interpretação, korkha deriva de keri, que é relacionada ao órgão genital masculino. Isto é baseado na Tradição Oral, que diz que a agressão de Amaleque incluía desvios morais que culminavam na mutilação dos órgãos masculinos.
Embora esta seja uma interpretação grotesca, ela traz uma visão muito profunda do texto bíblico. O ataque de Amaleque ocorreu quando os Israelitas se aproximavam do Sinai para receber a nova revelação da Lei de Deus.
Uma nova era de moralidade estava para descer sobre o mundo. E Amaleque literalmente rejeitava que o homem deveria ter limites, a ideia sobre a qual a moralidade está edificada. A circuncisão, o símbolo do autodomínio, era algo horrendo para os Amalequitas.
Por isso, voltando a saída do povo de Deus do Egito, eles tomaram para si armas primitivas e precárias, achando que estavam preparados para batalha. Moisés sabia que não estavam. Assim, ele toma como arma algo diferente. Algo que lhes daria a vitória nesta guerra espiritual.
Moisés toma algo que representava a moralidade e o domínio próprio. Ele leva consigo os ossos de Yosef - José.
A Santidade Abriu o Mar
Yalkut Shimoni - uma coleção de explicações das passagens bíblicas baseada na agadá hebraica - ensina que a abertura do Mar Vermelho ocorreu no mérito de José: Quando ele, correndo, deixa a casa de Potifar, fugindo da esposa de seu senhor, o termo usado éva'yanas - ele fugiu.
"E ela lhe pegou pela sua roupa, dizendo: Deita-te comigo. E ele deixou a sua roupa na mão dela, e fugiu [ וַיָּ֖נָס va'yanas], e saiu para fora." Gênesis 39:12
Esta é precisamente as mesmas palavras que foram empregadas para descrever o evento em que o mar se abriu para que os filhos de Israel passassem em terra seca:
"Quando Israel saiu do Egito, e a casa de Jacó de um povo de língua estranha, Judá foi seu santuário, e Israel seu domínio." Salmos 114:1-2 
"O mar viu isto, e fugiu [ וַיָּנֹ֑ס va'yanas ]; o Jordão voltou para trás." Salmos 114:3 

Shimon um homem de kritão disse:
[Deus disse:] "No mérito dos ossos de José Eu abrirei o Mar Vermelho". Porque está escrito, "E ela lhe pegou pela sua roupa, dizendo: Deita-te comigo. E ele deixou a sua roupa na mão dela, e fugiu" (Gênesis 39:12) 

Por isso:
"O mar viu isto, e fugiu." Salmos 114:3 (Mekhilta Beshallah, Vayehi 3)

Assim como José fugiu da esposa de Potifar, o mar, quando viu que os ossos de José se aproximavam, fugiu também. Agora não pense, caro leitor, que isto se tratava de algum tipo de resposta mágica aos restos mortais de Yosef.
A mensagem que a Mekhilta se refere é que a identidade espiritual de José teve um impacto de natureza tanto literal como figurativa. Ele deixou um legado espiritual de valor imensurável.
José demonstrou um altíssimo nível moral, mesmo nas piores situações em que passou, foi vendido como escravo. E foi este fato que trouxe toda a família de Jacó para o Egito.
A vida de José foi um exemplo de integridade moral, e se constituiu num lembrete do que a desunião e a divisão familiar poderiam ocasionar.
A redenção da escravidão do Egito tinha que necessariamente passar pelo reconhecimento, compreensão e internalização do heroísmo moral de Yosef.
E se a ida dos filhos de Jacó para o Egito foi determinado por uma das cenas mais chocantes da Torá, irmãos envolvidos em conflitos, tornando-os divididos pela inveja e ódio, a história da redenção se torna completamente o oposto.
Na noite anterior, na Seder Pesach, as famílias dos filhos de Jacó se sentam para partir o pão e compartilhar em união, fazendo da história do Êxodo participante do tikkun, uma purificação para a desunião familiar.
Deixando uma Vida de Pecados
Voltando ao texto, em Pi haHirote os Egípcios estavam unidos em sua idolatria e imoralidade, tudo o que aquele local representava. E os filhos de Israel precisavam passar por aquele lugar. Era um teste em rumo à liberdade.
E eles passam no teste, e chegam até o mar, quando a natureza humana é derrotada, como quando José derrotou a sua própria natureza e fugiu da imoralidade e da esposa de Potifar. Do mesmo modo, o mar foge de diante deles.
Muito significante é o ato de Moisés, que carrega consigo os ossos de José, invocando este modelo de moral e santidade. Não é simplesmente que o Mar Vermelho fora aberto, pois mais do que isso, o mar fugiu deles, como está escrito no Salmos 114:3.
O mar fugiu por causa da santidade, do modelo de santidade que eles carregavam consigo. A santidade derrota e dobra a natureza, inclusive a natureza humana.
Deixar o Egito (que simboliza o mundo e o pecado) não era uma tarefa fácil. Requere transformação física, emocional e espiritual. E eles partem de Pi haHirote, um local que simbolizava a idolatria e a imoralidade.
Deixam simbolicamente uma vida pecaminosa e seguem pelo caminho da libertação, da revelação e da transformação, pela imersão nas águas de Yam Suf (Mar Vermelho), no que poderia ser descrito como um gigantesco Mikveh, um batismo de tamanho imensurável.
Significantemente, o evento no Mar Vermelho aconteceu sete dias após os Hebreus terem deixado o Egito. É a mesma quantidade de tempo requerido para a reunificação entre marido e esposa, depois que a mulher passava pela cerimônia do Mikveh (um tipo de banho por imersão no Judaísmo).
Há uma interpretação que leva essa ideia ainda mais a fundo, descrevendo as sete semanas entre a Pesach (a Páscoa) e a Shavuot (o Pentecostes), entre o Êxodo e a Revelação no Sinai, como o tempo requerido para preparação.
Porque aos pés do Monte Sinai, Moisés declara uma estranha Lei: Maridos e Esposas devem estar separados em preparação para a revelação. Isto foi para simbolizar o novo casamento que estava para ocorrer entre Deus e o homem, assim como entre cada casal.
Eles iriam começar novamente, um recomeço, em união baseada na santidade, através desse ato de separação, através desse ato de autodomínio. Assim como José, eles estariam prontos para receber a Lei de Deus, em santidade e completamente livres.
"Como a cidade com seus muros derrubados, assim é quem não sabe dominar-se." Provérbios 25:28


0 comentários :

Postar um comentário