O posicionamento dos Israelitas, por
ocasião da Revelação no monte Sinai, é claramente delineada e limitada como
preparação para o Matan Torá -
a revelação da Lei.
"E marcarás limites - ve-hagbaletah - ao povo em redor, dizendo: Guardai-vos, não subais ao monte, nem toqueis o seu termo; todo aquele que tocar o monte, certamente morrerá." Êxodo 19:12
Este era o mandamento do הגבלה hagbala - o estabelecimento do limite que os
Israelitas deveriam observar quando fossem se aproximar de Deus.
E porque este momento de maior
proximidade entre Deus e o Seu povo é marcado por este mandado de distância,
com pena de morte para aquele que não respeitasse o limite estabelecido?
Porque os Israelitas deveriam
permanecer aos pés do monte Sinai?
A הגבלה Hagbala - O Homem Precisa de Limites
Uma das abordagens deste fascinante
tema nos ensina que o fenômeno do hagbala reflete os fundamentos pelos quais
seria estabelecida a conexão entre Deus e o homem.
No momento que está para revelar a
Sua palavra, o Senhor inicia um eterno relacionamento com seu povo escolhido, e
Ele usa este cenário para transmitir quais seriam os parâmetros principais
desse relacionamento.
A união entre Deus e homem seria
fundamentada no equilíbrio de duas ações superficialmente auto-contraditórias:
Amor e Temor, Distância e Familiaridade.
Se por um lado Deus está em uma
dimensão além do nosso alcance, agindo muitas vezes de forma que não
entendemos, por outro lado os Salmos dizem:
"Perto está o Senhor de todos os que o invocam, de todos os que o invocam em verdade." Salmos 145:18
De acordo com os Salmos, Deus está
acessível e interessado nos acontecimentos da nossa vida diária. Ele está tão
próximo que basta apenas que o busquemos com sinceridade para poder
encontrá-lo.
Este equilíbrio entre distância e
familiaridade em nosso relacionamento com Deus era refletido de várias maneiras
nas Leis e tradições judaicas. Gostaria de citar três delas, para um melhor
entendimento desta passagem do Êxodo:
1 - Todos os dias, em suas orações, os hebreus
recitavam a Kedusha, proclamando a santidade divina.
A parte central desta proclamação é a
visão do profeta Yeshayahu,
Isaías, que testemunhou os Serafins que "clamavam uns
aos outros, dizendo: Santo, Santo, Santo é o Senhor dos Exércitos; toda a terra
está cheia da sua glória." Isaías 6:3
No pensamento bíblico, ser santo
significa ser separado, reservado. Por três vezes, os serafins, na visão de
Isaías, declaram a separação de Deus. Isso mostra como Deus está em um domínio,
em uma dimensão separada, que nós humanos não podemos alcançar.
Porém, de forma muito interessante,
logo em seguida, os seres celestiais também afirmam que "toda a terra
está cheia da sua glória." Deus,
segundo os serafins, está em todo lugar, bem ao alcance de todos. Só precisamos
ter um olhar mais profundo para poder encontrá-lo.
A Kedusha reflete essa dicotomia de
um Deus que está em uma dimensão além da nossa compreensão e ao mesmo tempo se
faz presente no mundo com toda a Sua glória.
Amor e Temor - Bases do Relacionamento com Deus
·
2. - Há
mais outros dois elementos que são aparentemente conflitantes, e são essenciais
para o entendimento do nosso relacionamento com Deus: יִרְאָה yirah
e אהב ahavah - temor e amor.
"Agora, pois, ó Israel, que é que o Senhor teu Deus pede de ti, senão que temas [le-yirah לְ֠יִרְאָה] o Senhor teu Deus, que andes em todos os seus caminhos, e o ames [u-le-ahavah וּלְאַהֲבָ֣ה],
e sirvas ao Senhor teu Deus com todo o teu coração e com toda a tua alma" Deuteronômio 10:12
Só se pode amar e temer uma mesma
pessoa, quando se compreende a complexidade da ligação que há entre ambos. Esta
verdade é melhor demonstrada, em menor escala, pelo relacionamento humano entre
pais e filhos, como forma de ilustrar o nosso relacionamento com Deus.
Considere o aparentemente
contraditório relacionamento entre um pai e seu filho, ou mesmo entre um
professor que possui uma forte ligação com seu aluno. Um pai que mergulhe
somente em uma "amizade" infantil com seu filho, simplesmente não
terá uma palavra eficaz com ele.
Um professor que não requere o devido
respeito e a autoridade da sua posição, perde, em alguns pontos, a capacidade
de ensinar a sua classe. Ainda assim, um pai ou um professor, mesmo demandando
o respeito e a autoridade que lhes são devidos, devem se manter - em diferente
níveis - acessíveis, amorosos e cuidadosos.
A complexidade da ligação pai-filho
estava, de fato, codificada nas leis da הלכה halacha (os 613 mandamentos bíblicos, mais os
ensinamentos rabínicos e talmúdicos e as tradições), através de uma série de
recomendações feitas para moldar e governar a atitude dos filhos para com seus
pais.
As leis do כבוד kavod -
honra - falam do cuidado pessoal que
deve ser dado aos pais no momento em que precisarem, como em caso de
enfermidades e idade avançada. O próprio mandamento em Êxodo 20:12 inicia com a
palavra Kavod:
"Honra - כבוד kavod - a teu pai e a tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o Senhor teu Deus te dá." Êxodo 20:12
As leis do Yirah traziam o respeito que deveria ser mostrado
aos pais em todo e qualquer tempo, incluindo a proibição de chamá-los pelo seu
primeiro nome, sentar em seus lugares à mesa, ou contradizê-los em público.
Através das leis do Kavod e yirah, a halacha refletia o sentimento que os filhos deveriam
dedicar a seus pais, um equilíbrio entre amor e admiração, respeito por aqueles
que lhes deram a vida.
Em uma dimensão diferente, mas muito
similar, o nosso relacionamento com Deus deve ser construído.
Por isso, Deus no momento do contato
mais próximo com o homem, demanda por um certo limite, mostrando o equilíbrio
em que a Sua ligação com o ser humano seria edificada.
Chamados a Trazer Limites - Santidade ao Mundo
O mandamento do hagbalah no Sinai, reitera a mensagem transmitida a
Moisés no mesmo local, em um momento anterior. Durante a visão da sarça
ardente, Deus empossa Moisés na liderança do Seu povo dizendo:
"Não te chegues para cá; tira os sapatos de teus pés; porque o lugar em que tu estás é terra santa." Êxodo 3:5
Como se dissesse: "Não busque por mim em uma visão de uma sarça ardente. Fique onde você está, neste solo, nesta terra. A santidade estará onde você estiver, desde que você faça a Minha vontade neste mundo."
Ordenando que os Israelitas permaneçam
aos pés do monte Sinai, durante a Revelação, Deus transmite aquela mesma
mensagem, mas agora não só a um indivíduo, mas em escala nacional.
"Não busquem por mim no alto de uma montanha envolvida por nuvens. Não me busquem em alturas e dimensões misteriosas, que não fazem parte da realidade de suas vidas.
Continuem aos pés, nas bases do monte, nas vizinhanças do seu mundo, e recebam a minha Lei, e tornem-se em meus parceiros, colaboradores, para levar a minha santidade e a minha presença a este mundo."
É interessante também notar que o
final do texto que usamos como a segunda referência, Deuteronômio 10:12,
termina com a palavra hebraica נַפְשֶֽׁךָ׃ nephesh - "com toda a sua alma".
"Agora, pois, ó Israel, que é que o Senhor teu Deus pede de ti, senão que temas o Senhor teu Deus, que andes em todos os seus caminhos, e o ames, e sirvas ao Senhor teu Deus com todo o teu coração e com toda a tua alma - נַפְשֶֽׁךָ׃ nephesh" Deuteronômio 10:12
O termo nephesh aparece pela primeira vez no Antigo
Testamento no livro do Gênesis, quando "formou o
Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou em suas narinas o fôlego da vida;
e o homem foi feito alma - לְנֶ֥פֶשׁ le-nephesh - vivente." Gênesis 2:7
Embora Nephesh seja geralmente traduzido como "alma", esta palavra está intimamente ligada com os
aspectos tangíveis, palpáveis, da vida. Nephesh também significa "vida","ser".
Ou seja, conforme Deuteronômio 10:12,
nós trazemos santidade a este mundo quando servimos a Deus com todo o nosso
ser, com tudo o que somos, com tudo o que fazemos e pensamos.
"Mas, como é santo aquele que vos chamou, sede vós também santos em toda a vossa maneira de viver;" 1 Pedro 1:15
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